Artigo avalia impacto da coleta sobre peixes de Igarapés

Após vários anos de pesquisa nos pequenos igarapés da Reserva Ducke, pesquisadores do Projeto Igarapés e do PPBio passaram a se perguntar se a própria pesquisa poderia trazer impactos à fauna dos peixes naqueles locais. Esta preocupação se deu porque na maioria dos estudos ictiológicos, a rotina é que se colete todo os indivíduos capturados para identificação e análises posteriores em laboratório. No entanto, quando se trabalha em uma área de pesquisa permanente, que tem foco na preservação da biodiversidade, estudos repetidos ao longo do tempo com a realização de coletas dos organismos podem causar danos a algumas populações, alterando as características das comunidades em que estão inseridas.

Assim, durante seu mestrado em ecologia no INPA, Helder Espírito-Santo, orientado pelos Drs. Willian Magnusson e Jansen Zuanon, desenvolveu um experimento em campo visando avaliar se a coleta dos peixes em trechos de 50 metros de igarapés afetaria as características da fauna. Para isso, foram estudados 27 igarapés da Reserva Ducke, sendo que em uma parte deles os peixes foram coletados e em outra parte todos os peixes capturados foram identificados em campo e devolvidos com vida aos igarapés. A amostragem foi repetida exatamente nos mesmos locais 3 meses depois, e foi testado se haveria diferenças nas características da ictiofauna entre os dois tratamentos: igarapés com coleta e igarapés sem coleta de peixes.

Na segunda amostragem não havia diferenças na quantidade de peixes capturados nos dois tratamentos (com e sem coleta), bem como não era possível perceber diferenças no número de espécies ou na composição geral da fauna. Além disso, os pesquisadores agruparam as espécies com características de mobilidade parecidas e testaram se estes grupos poderiam ser afetados de forma diferenciada pela coleta. Por exemplo, era esperado que espécies residentes (com pouca movimentação) fossem mais afetadas do que aquelas que se movimentam muito (chamadas de "andarilhas"). No entanto, também não houve efeito da coleta sobre os diferentes grupos de espécies. Assim, os pesquisadores concluíram que a coleta realizada não afetou as características da ictiofauna nos igarapés estudados.

A chance de uma comunidade biológica se recuperar após um distúrbio é afetada pelas características do distúrbio em si e das características da comunidade. Neste estudo, alguns fatores podem ter favorecido a rápida recuperação da fauna ao distúrbio: a comunidade foi sujeita a apenas um evento de distúrbio e numa escala espacial pequena (50m de igarapé); o protocolo de captura dos peixes causa poucos impactos no ambiente quando comparado a outros tipos de distúrbio antrópicos; os trechos de igarapés onde houve a amostragem são circundados por trechos de igarapés íntegros, que podem servir de fonte de colonizadores. Todas estas características são tidas como favorecedoras da velocidade de recuperação da fauna de peixes em riachos ao redor do mundo, como mostrado em estudos anteriores.

Um alerta

Apesar de não terem encontrado evidências de impacto da coleta sobre a ictiofauna dos pequenos igarapés, não se conhece a capacidade de recuperação de ambientes oligotróficos como os igarapés a distúrbios mais intensos ou contínuos. Os pesquisadores recomendam cautela quanto a coletas de materiais biológicos, especialmente em áreas de pesquisa de longa duração, onde se tem o intuito de manter a biodiversidade local. A coleta e preservação de material biológico envolve a morte de muitos animais e muitos custos financeiros, além da necessidade de espaço para estocagem do material. Assim, sugere-se que, em áreas de pesquisa permanente, seja direcionado um esforço inicial para montagem de coleções de referência e confecção de guias de identificação dos organismos que, futuramente, permitam a realização de estudos ecológicos confiáveis, com menos sacrifícios de animas e menores custos financeiros.

Fonte: Site Projeto Igarapés.