Artigo publicado na revista Plos One com apóio do CENBAM mostra aspectos sobre a ecologia trófica e reprodutiva de peixe australiano

Foi publicado em março o artigo "Temporal Uncoupling between Energy Acquisition and Allocation to Reproduction in a Herbivorous-Detritivorous Fish na revista Plos One (http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0150082) que trata de aspectos relacionados à ecologia trófica e reprodutiva do peixe migratório australiano "mullet" (Liza alata). A publicação foi encabeçada por Francisco Villamarín, estudante de doutorado do Programa de Ecologia do INPA e que recebeu uma bolsa do CNPq para participar do Programa Ciência sem Fronteiras através de uma cota institucional do CENBAM para visitar o Australian Rivers Institute da Universidade Griffith.

Aqui a história narrada pelo autor:

"Quando comecei em 2012 meu doutorado no programa de Ecologia do INPA não imaginava que um dos capítulos da minha tese seria desenvolvido na Austrália e com foco em uma espécie de peixe. Meu projeto de pesquisa de doutorado busca responder questões sobre ecologia trófica de ecossistemas aquáticos: Quais são os principais recursos energéticos sustentando os grandes predadores ectotérmicos como os crocodilianos amazônicos?

Para rastrear a rota que a energia segue através das cadeias alimentares, os pesquisadores analisam a abundancia natural de marcadores químicos presentes nos tecidos biológicos. A técnica é chamada de análises de isótopos estáveis. Os isótopos estáveis são análogos a "impressões químicas digitais" e permitem rastrear as fontes primárias da energia que sustentam os diferentes organismos do planeta.

Com o intuito de conseguir uma melhor capacitação para desenvolver meu projeto de doutorado, compreendi que deveria conhecer pesquisadores e me envolver em projetos que utilizassem as mesmas técnicas para responder perguntas similares, mesmo que fosse estudando outros organismos em ambientes diferentes. A través de uma cota institucional do CENBAM, em 2013 recebi uma bolsa do CNPq a través do Programa Ciência sem Fronteiras para visitar o Australian Rivers Institute da Universidade Griffith, na Austrália. Dessa forma, me envolvi nos projetos do instituto coletando e analisando dados sobre os componentes das teias alimentares das planícies de inundação do Parque Nacional Kakadu, localizado no Território Norte da Austrália. As coletas foram focados em grupos como produtores primários, invertebrados e peixes.

Dentro dos peixes coletados no Kakadu, chamou muito a atenção uma espécie relacionado com as tainhas que habitam o litoral brasileiro. Esse peixe chama-se "mullet" (Liza alata) e alimenta-se principalmente de algas e matéria orgânica dos lagos onde mora, mas principalmente das florestas temporalmente alagadas do Norte australiano. Uma característica muito importante desses peixes é que, na área de estudo, eles descem o rio para desovar nos estuários do Oceano Índico. Isso acontece durante o início da época cheia, em que os lagos se conectam com os rios principais e os mullet podem chegar até os estuários.

Nos lagos em que os mullet habitam, os recursos alimentares são muito limitados durante a época seca, mas quando o rio começa a encher, os peixes em geral se espalham dentro dos igapós e se beneficiam dos abundantes recursos da floresta alagada. Quando as fêmeas de mullet entram nos igapós para se alimentar, não têm tempo suficiente para desenvolver os ovos e migrar para desovar nos estuários antes dos lagos ficarem isolados durante a próxima seca. Por outro lado, elas precisam de grandes reservas energéticas para conseguir desenvolver seus ovos e sair para desovar assim que tiverem acesso ao mar. Mas, se os recursos são tão limitados dentro dos lagos durante a época seca, de onde e quando elas obtém a energia que sustentaria tal demanda?

Dessa forma, para entender de onde provém a energia que sustenta a síntese de ovos nos mullet, usamos a técnica de análises de isótopos estáveis. A idéia é que é possível descobrir as proporções em que os recursos primários originados em diferentes ambientes formam parte dos tecidos desses peixes. O tempo que demora para que os isótopos sejam incorporados no corpo dos peixes depende muito do tipo de tecido analisado. Por exemplo, o fígado é um tecido muito ativo e mostra o sinal isotópico do alimento poucos dias ou semanas depois de ingerido, enquanto que os músculos demoram na ordem de semanas a meses para assimilar esse mesmo sinal. Se o alimento que sustenta o crescimento reprodutivo provém das florestas alagadas e é obtido durante ou anterior época cheia, então o tecido reprodutivo (as gônadas) apresentaria um sinal isotópico mais parecido com o músculo. Pelo contrário, as gônadas apresentariam o sinal isotópico mais parecido com o fígado se a energia for obtida nos lagos durante a mesma época em que estão sendo sintetizadas.

Além dos isótopos estáveis, utilizamos uma técnica molecular capaz de quantificar o crescimento instantâneo nos diferentes tecidos dos peixes, a razão de RNA:DNA. Dessa forma, conseguimos identificar o momento em que esses tecidos estavam sendo sintetizados.

Descobrimos que, embora os mullet se encontrem em melhores condições corpóreas durante a época de cheia, a maior parte da alocação para reprodução acontece durante a seca, que é quando eles estão mais magros. As evidências sugerem que quando investem energia para se reproduzir, eles não crescem. As análises de isótopos estáveis e RNA:DNA mostraram que as gônadas são sintetizadas durante a época seca, utilizando a energia estocada em forma de gordura com meses de antecedência, proveniente das florestas alagadas na época cheia. Em combinação, as informações encontradas sugerem que os mullet apresentam uma separação temporal marcada entre ingestão, estoque de energia e posterior alocação para reprodução.

Os resultados encontrados permitiram inferir sobre a importância da conectividade e as dinâmicas hidrológicas naturais entre diferentes corpos hídricos para manter as populações desses peixes migratórios".